O calor do verão

O agosto já lá vai, a cidade está de volta. Juntam-se duas amigas ao final da tarde para porem a conversa em dia.

O calor do verão

Ai ‘miga nem sabes tu. Em agosto uma semana no Alentejo. Um calor naquela terra e nem um homem giro. Anda aqui uma mulher bem vestida, três capas de maquilhagem e toda apresentada para depois não haver um único homem. É que são todos feios.

Esse ? Não durou dois dates. Logo no primeiro date arrancou com uma conversa de ir de carrinha viajar para a montanha. Carrinha? Montanha? Ainda nem sei onde vive e já me quer levar em aventuras? Na, não gosto nada disso. Disse-lhe logo que nesse fim‑de‑semana não estava disponível. Não respondeu. Ah não respondes? Então pronto, assunto resolvido, riscado da lista.

O Miguel? Esse foi outra história. Jantar e tal, levou-me a um sítio ‘miiigaa. Sim senhor.  Grande vista sobre o tejo, guardanapo de pano e é cá dos meus, adora rosé. Pediu a minha favorita, Mateus Rosé. Ganhou logo dois pontinhos. Depois disse-me que tinha uma surpresa, seria ele a escolher os pratos. Bem ‘miga sabes como eu gosto de surpresas, mas comida e surpresas?  Não sei, não. Eu tenho as minhas preferências. Não sou mulher de comer tudo o que me põe na mesa. Mas relaxei e aceitei. Veio a entrada e tinha cebola, fiz-lhe logo uma careta, claro. Expliquei-lhe que eu e a cebola somos como o vinho e o trabalho, quando estamos juntos não nos damos nada bem. Pouco comi, mas pronto. Depois veio o prato principal. Bem! Uma apresentação… Uma tábua, madeira escura trabalhada, estilo medieval  chique. Revestida com uma carninha… toda cortadinha em pequenos pedaços. Que bom aspeto tinha aquilo. Uma apresentação de Chef, sim senhor. Devia ser dos pratos mais caros da lista, dei-lhe logo um sorriso. A carne não era nada de especial mas comia-se.

Depois a sobremesa. Bom, sabes que eu com as sobremesas não vacilo. Lancei um olhar para as outras mesas e o que é que eu vi?  Espera que já te conto. Os meus olhos até brilharam. Quando chegou o empregado para tomar nota das sobremesas, antecipei-me e disse-lhe, Para mim quero a mesma sobremesa que tem aquela mesa, e fiz-lhe sinal com a cabeça, não ia estar a apontar não é? Posso ser da Rinchoa mas a boa educação tem que ser universal. Sabes o que respondeu o empregado ? Atenta, Brownie aquecido em banho maria com duas bolas de gelado caseiro de nata. Ai ‘miga, aquilo foi o mais perto que ouvi de um pedido de casamento. Sim! Respondi. Mas espera, que o meu date diz o seguinte, Ah eu tinha pensado numa sobremesa diferente. Ah sim? E qual é? pergunto eu. Ao que ele me responde, um mix de frutas. Frutas? pensei para mim, quem é que come fruta quando há brownie com gelado? Obrigadinha, eu prefiro o brownie, mas pede a fruta para ti. Amigo não empatada amigo. E não é que o senhor saudável pediu mesmo?

Ai miiga, quando aquilo aterrou na mesa. Todo para mim. Era enorme! Com o gelado a derreter-se todo por cima e dentro do brownie havia pedaços de nozes. Aquilo era uma loucura. Só por aquilo já tinha valido a pena. E ele, o senhor saudável tinha um prato com, duas fatias de laranja, quatro mirtilos e um par de framboesas… que tristeza. Depois ele começou a falar de qualquer coisa mas eu só tinha ouvidos para aquele brownie.

Depois veio a conta e claro pagamos a meias. Ele não se ofereceu para pagar e eu também já sabes, não sou cá dessas coisas. Claro que se ele pagasse não lhe dizia que não mas já contava pagar, o brownie merecia esse esforço.

Depois saímos do restaurante e ele disse que conhecia um bar ali perto. Pensei, bem espero mesmo que seja, porque este brownie não vai gostar de caminhar. Perto … estivemos quinze minutos a andar! E eu de saltos! Uma pessoa sacrifica-se pelo estilo, leva uns saltos para depois andarmos a pé? Ninguém leva saltos porque é confortável, levamos porque faz estas duas pernas ficarem mais finas. Não é para fazer trekking noturno. Ai ‘miga não gostei nada, mas pronto,  pensei para mim, deixa lá ver o bar especial que ele tanto me queria vender.

Entramos e era um bar. Um bar como outro qualquer. Tinha pessoas, bebidas, música e um bar. Era um bar normalíssimo. A Rinchoa não tem bares mas se tivesse podia ser aquele. Tanto andar para aquilo? Bem,  sentamo-nos e o brownie começou a dar conta de mim. E fazer a digestão daquele menino? Bom, entrou-me uma soneira e nesse momento ele diz-me que queria pedir uns cocktails mas que não podia dizer o nome pois queria fazer surpresa. Mais uma surpresa? Eu já não estava para surpresas. Já estava com a digestão a meio e cheia de sono. Disse-lhe que tinha de ir para casa, peguei no telefone e pedi um Uber.  E lá ficamos a olhar um para o outro à espera do Uber. Eu mal conseguia ter os olhos abertos, aquele brownie não me dava tréguas. Ele não estava com cara de muitos amigos. Devia tar à espera que eu ficasse animada com o bar, mas era um bar normal e eu tava cansada. Chegou o Uber e fui-me embora.

E depois? Cheguei a casa e dormi como uma pedra. No dia a seguir acordei e tinha uma mensagem dele.  Dizia que tinha gostado muito e perguntava se queria ir no dia seguinte ou seja,  hoje,  dar um passeio a Sintra. Um passeio? a Sintra? Mas eu tenho cara de quem enfarda queijadas ? E não é só isso, dois dates em dias seguidos? Não, não,  nada disso. Disse-lhe que já tinha coisas combinadas, e era verdade, porque ia almoçar com os meus pais, e até hoje nada, nem uma resposta. Por isso o senhor saudável adeusinho, também já saiu da lista.

Qual? Ah sim, esse. Ui, esse foi outra história, mas espera lá, isso foi já há mais de um mês. Pois é ‘miga a gente já não se vê há tanto tempo. Ai esse é o Daniel, um gato. Então começou assim. A Rita, sabes a que estudou comigo na faculdade? Sim, essa mesmo. Bom, convidou-me para um churrasco para almoço no domingo lá na casa dela. No dia anterior, ou seja sábado, foi jantar de ‘migas.  Lisboa, restaurante mexicano, meio fancy, e vêm umas entradas. Não se aproveitada nada. Só cebola, salsa e coisas estranhas. Bom, até virem as Margaritas. Isso é que foi uma bela entrada. Aquilo é docinho com uma pitada de salgado. Bebes a primeira e parece suminho mas quando começa a subir parece o alfa-pendular, agarra-te com uma velocidade que nem sabes onde estás. Depois vieram os pratos… aqueles burritos com montes de ingredientes estranhos… comida mexicana, enfim … É tudo com cebola e abacate. Como é que alguém pode gostar daquilo? Mas pronto já sei que eu é que sou a esquisita do grupo. Resultado, não comi quase nada mas não saí de lá com fome. O meu jantar foram Margaritas. Bem ‘miga cheguei a casa e quase que tive de sair do Uber de gatas. Entrei em casa e o estômago parecia a máquina de lavar roupa na fase de centrifugação, a dar voltas e voltas que nunca mais acabava. Nem sei como cheguei à cama. Mas quando cheguei entreguei-me com tudo, roupa, maquilhagem, óculos e casaco, só tirei os saltos. E que mal dormi. Aquilo nem se pode chamar dormir, foram voltas e voltas de pesadelos. A garganta gretada de sede e eu sempre a acordar para beber mais água. Bem, depois acordei ao meio-dia, olhei para o relógio e …  como assim meio-dia? Se o churrasco era à uma e meia. Só para vestir-me preciso de uma hora, mais meia hora de carro. Percebi logo, tava tramada.  ‘miga, não podia acreditar.

Mas pronto o que tem que ser tem de ser né? Agarrei rápido em três roupas, vesti-me, fiz assim uma maquilhagem rápida para tapar os estragos e quando dei por mim já estava mais de meia hora atrasada a chegar ao churrasco. E claro, já estava lá toda a gente. Eu a entrar na casa pela porta principal e toda a gente a olhar para mim, o zombie, a ressaca caminhante, Olá chamo-me Vanessa. E aquilo estava cheio de gente que eu não conhecia, ai ‘miga que vergonha. Toda a gente muito sorridente e super bem disposta e eu parecia saída de um voo de catorze horas com três escalas. Bom, lá me fui misturando com as pessoas. Um olá por aqui outro por ali,  conhecendo umas pessoas, até que conheço o Daniel. Ai ‘miiiiga aquilo sim é um homem. Assim que me vê manda-me um sorriso, e este caco de pessoa ficou logo toda deliciada, mas espera, ele não se ficou por aí. Diz-me olá e pergunta o meu nome, e eu toda atrapalhada respondi, Vanessa. E não sabes o que ele me diz, Eu sou o Daniel e tu estás muito gira. ‘miigaa giiraaaa?? Eu estava completamente destruída! Uma maquilhagem que era um desastre, uma roupa que só combinava com os cortinados, e ele ali conseguia ver beleza? Ganhou logo dez pontos. E ficamos na conversa. Um cavalheiro. Era sem dúvida o mais gato da festa. Às vezes apareciam outras gajas a meterem conversa com ele e eu mandava-lhes logo um olhar para perceberem que ali não havia assunto para elas. Elas fugiam e ainda bem que aquele gato não era para se perder. Agora temos um date para a semana, marcou uma mesa num restaurante israelita, ai ‘miga cheira-me que não vou gostar nada da comida mas isso também não interessa, com aquele gato à mesa fico bem só com um copo de vinho.