Manual do Casamento. Como evitar separar-se amanhã.

Manual do Casamento. Como evitar separar-se amanhã.

Coitados aqueles que buscam encontrar no casamento aquela chama de vontade que vos ardia no início. Não percam tempo como eu e tantos outros já perdemos, nem alimentem preocupações, como eu já tantas noites alimentei, com tais incumbências, porque essa vontade, lamento informar-vos aquilo que já sabem, não a vão encontrar. Atenção, não digo que não terão mais vontades pelos vossos parceiros, digo é que essa tal como a que têm na memória, essas imagens que tendes tão bonitas tão bem arquivadas, acontece como a todos os outros momentos da vida, suspense, não se repetem. A água desse rio já correu. Já sabemos pois, comuns mortais, a conhecida frase batida que observamos todos os dias, a única coisa que se mantém constante na natureza é a mudança. Não desanimem, ou desanimem-se bastante, com vontade, com vigor, porque é nos momentos de maior desânimo, de depressão quando finalmente vemos as flores do nosso jardim, ou as borboletas do nosso caminho, as que sempre estiveram ali mas nós nunca lhe demos vagar. Ora portanto, voltando a esse desejo que antes vos ardia por dentro e que agora não sabem dele, perdido anda, e perdidos andamos nós à sua procura: não, vou repetir, não vão voltar a senti-lo mas, vão sentir outras vontades e outras sensações.

💡
"Dizem os números que em Portugal as taxas do divórcio andam pelos 60% "

Quem nunca perante o desaparecimento dessa vontade, achou que a solução estaria na novidade, na relva da vizinha que parece sempre mais verde que a minha, ou naquele perfil maroto do Tinder? Muitos e muitas por esse mundo fora, a começar pela minha pessoa. Dizem os números que em Portugal as taxas do divórcio andam pelos 60% (em cada 100 casamentos há 60 divórcios), cuidado com os doble dates de casados pois, segundo as estatísticas, depois da sobremesa apenas um casal continuará vivo. Voltando à novidade, às vezes parece que é isso que faz falta. Uma outra carne, umas ideias novas, alguém com outra mentalidade, outra energia para esta dança. Não aquela pessoa que carrega connosco há anos e que já conhecemos tão bem que parece que nada tem para nos mostrar, ou o que tem, é sempre o mesmo disco e já não nos interessa. É que reparem, nós os casados, e aqueles, como eu, que já jogam na liga dos filhos, caríssimos, entre birras, noites de mal dormir, jantares que acabam com comida no chão e nas paredes, casas em constante alvoroço, e noites em que só um quilo de gelado, a casa vazia, e uma série é que anestesiam parte da dor de ser procriador e estar casado.

💡
"“não levaste o lixo esta manhã”

Estamos muitas vezes saturados, tantas e tantas, e às vezes ainda temos que levar, da nossa suposta cara metade, com aquela chamada de atenção “não levaste o lixo esta manhã”. Opah por amor de Deus, eu quero é que o lixo se f****. Essa conversa de casal que temos quando ao mesmo tempo no fundo, ouve-se baixinho, a marcha fúnebre do Beethoven. Mas atenção, não vos separai já. Atenção, não é a vocês que vos digo. Não poderia, pois não sei o caldeirão onde estais metidos, são palavras que digo a mim mesmo. Uso o plural pois dentro de mim há um batalhão de vozes que me azucrinam as ideias. E por isso vos digo com apreço: há ainda umas coisinhas boas que tendes no vosso lar, há ainda umas flores nessa relação I still have a dream, mas que, seguramente, muitas vezes não vos dais conta. Deixai que me explique.

💡
"amor exclusivo aos interesses próprios"

Quem não tem saudades de andar de relação em relação, de night stand em night stand. De rambóia em rambóia, tu casa es mi casa e mi casa es la casa de tutti. Tudo prazeres novos, novas novidades, aquele sentimento de amor exclusivo aos interesses próprios, definição do dicionário para egoísmo, ou há quem lhe chame “ser independente”. Ninguém te faz frente, ninguém te pára o cavalo, fazes o que queres e o que bem te apetece: sou deus e senhor da minha vontade e resto que se f***. Ah, essa independência de não depender nem ter de me justificar a ninguém. Velhos tempos, grandes e belos velhos tempos, se os repetia? Claro que não. Mas então vós mortal, assumido homem do sexo masculino (he/him no instagram), não gostarias de andar por aí solto pelos prados em busca de novas mulheres e sensações? Visitar mais países, conhecer novas nacionalidades, bebericar gintónicos em mais rooftops e acabar as noitadas com os primeiros raios solares? Posto assim fazes-me duvidar… Mas não, suas endiabradas vozes do meu ego, já vos disse que não! Se já o pensei muitas vezes? Sim. Foi por pensar e matutar que cheguei à conclusão que é exatamente isso que não quero apesar de que tantas vezes o meu ego me queira vender numa bandeja de prata. Como é que não quereis disso? Calma, eu explico.

É certo que novas relações, parceiros ou parceiras, novos países, novos sabores de gelado, são tudo sensações novas. É a novidade que o nosso tão bem desenhado corpo tanto deseja, a novidade é magnética, dá-nos energia e curiosidade para ir atrás dessas novas luzes cintilantes. Mas e o que vem depois da novidade? A novidade é uma sensação que dura uns meses, umas semanas, uns minutos ou uns segundos. Ok, mas então o que propões?

Por fim perguntais. Quando abdicamos desse amor exclusivo aos interesses próprios e partilhamos uma vida com alguém isso leva-nos a ter de justificar algumas acções, e muitas vezes colocarmos os interesses da nossa parceira à frente dos nossos. Jogando na outra liga, se tivermos um filho, os nossos interesses vão para o final da lista depois do ambientador para o carro. Quando vossa excelência deixa de ser sempre a prioridade começa a ver que há mais mundo para além da sua pessoa, isso muitas vezes magoa, porque de repente estais a fazer coisas que não são para si mas para outra pessoa. Mas vai-se lá saber como ou porquê quando estamos a fazer essas coisas por essa pessoa isso de repente traz-nos uma felicidade imensa. E essa é provavelmente a razão pela qual nos casamos. Porque há aquela criatura que nos consegue dar momentos de felicidade e nós não entendemos porquê, mas sabemos exatamente o que sentimos.

💡
"Mas quando crescemos abrimos a possibilidade para mundos desconhecidos"

Ora, quando entramos no misterioso mundo das relações há cedências, há preocupações, há gritarias, há desgostos, há rios de dinheiro investidos em retiros, hoteis, terapia, comida saudável e em quilos de gelado. E porquê? Porque estamos a crescer. Estamos a madurar, estamos a ir mais além daquilo que a educação que nos deram, estamos a entrar em mares nunca antes navegados, em terrenos nunca antes cultivados. E crescer custa, custa muito. Mas quando crescemos abrimos a possibilidade para mundos desconhecidos. Por exemplo, para o meu filho é trágico crescer porque ele continua a querer mamar nas maminhas da sua mãe já não contêm o consolo que procura. E mais triste ainda vai ficar quando perceber que em breve terá de largar os seus brinquedos sempre que quiser obrar. Para nós adultos, mas principiantes neste jogo do casamento, crescer permite-nos aceder a outras partes de nós. Zonas novas, ainda por mapear. Essas zonas novas o que contém são ferramentas, um novo par de lentes para ver a realidade, de apreciar e valorizar o que temos e de deitar fora o que não queremos.

É por maduramos que aquele beijo nos faz estremecer, ou que aquela palavra nos salva o dia, ou aquele gesto nos derrete por dentro. Não é apenas saber valorar as pequenas cosias, mas é perceber que o bom da vida são efetivamente coisas muito pequenas e quase imperceptíveis. Se não tivermos essas ferramentas não estamos conscientes e disponíveis, e essas coisas boas passam-nos ao lado uma e outra vez, e aí a vida torna-se numa mochila pesada que é preciso carregar todos os dias e não se metam à minha frente senão levam logo uma chapada.

Se essa vontade que tinham quando se conheceram, que vos ardia por dentro tão forte que só pensavam em estar sempre a copular, se vai voltar? Não, mas vão descobrir outras coisas. Se são melhores ou piores? Não sei, são diferentes. Por mais que muitas vezes os dias parecem repetir-se a verdade é que nenhum dia se repete ao anterior.

O que vos proponho hoje, atenção, não vos proponho a vocês porque não sei quem sois, nem donde vindes, nem que relação é que tendes, nem em que moldes estais juntos. O que vos proponho hoje, a todas estas vozes que me gritam na cabeça e que me tentam controlar dia e noite, elas que duvidam do meu casamento é o seguinte: essa novidade de novas relações já conhecemos nós muito bem, já o fizemos tantas e tantas vezes, já não é para nós uma novidade. A novidade meu amigo, é descobrir essa pessoa que tendes do teu lado, essa pessoa que um dia com todas as tuas forças e vontades quiseste casar; a beleza que há por detrás desses olhos, o que lhe faz palpitar o coração e o que faz brilhar o seu olhar. E esse ser incrível que tens ao teu lado é a melhor pessoa para te mostrar quem tu és, conheceres todos os teus defeitos e as tuas qualidades e essa vai ser a melhor pessoa para ajudar-te a seres a melhor versão de tu mesmo. É uma história onde ambos se vão conhecendo e melhorando, é o amor de uma jornada a caminhar juntos por trilhos nunca antes caminhados.

A novidade é o que vos espera estando juntos, todas as descobertas que ainda estão por vir, o que vem aí depois de 9 anos juntos. O que será que vos espera? Não temos a mais pequena ideia, pancada já sabemos que vem, faz parte do processo, mas também vêm lindas coisas novas como tantas outros lindos momentos que já tiveram durante a vossa relação.