Entrevista de trabalho
Recém saído da universidade, havia uma possibilidade de ficar a trabalhar num projecto universitário, tudo indicava que seria bem pago, tinha-me formado em informática. A resposta que se dizia rápida tardava em chegar e enquanto esperava, fiz uma entrevista para uma consultora. Consultora francesa em iminente expansão europeia com escritórios em Lisboa, era o título do anúncio. Devia ter duvidado. O segundo sinal era o nome, tinha um daqueles nomes foleiro, um trocadilho muito muazinho. Tudo bem, não deixei que o preconceito me fizesse perder as grandes oportunidades da vida corporativa. Liguei e marquei a entrevista. Esperavam-me uma segunda-feira pelas nove e meia da manhã.
Cheguei aos escritórios, um prédio antigo de Lisboa bem no centro da cidade. Subi as escadas e abri a porta. A recepção era bastante pequena, fui recebido e pediram-me que aguardasse na sala. Uma pequena sala estéril, parecia uma daquelas salas de espera de um dentista duvidoso numa cave, onde te perguntas várias vezes se será o melhor sítio para cuidares dos teus únicos e últimos dentes que a tua boca vai ter nesta vida. Será só uma cárie, repetes várias vezes para te acalmares. E se fazem asneira e apanho uma infecção? Ou pior, arrancam-me um dente que está perfeitamente saudável? Esse tipo de sala de espera. Passaram dez minutos e continuei a esperar. Estamos a falar de um tempo que ainda não havia internet móvel. Parece que foi há décadas, e foi mesmo, há duas décadas. As paredes eram tão aborrecidas que acabei por, a muito esforço, pegar num panfleto corporativo que estava abandonado numa mesa ao canto da sala.
Umas cores e um design que feriam os olhos. Não sou designer mas aquilo incomodava até um cego. Comecei a ler e não acreditava no que estava escrito. Eram nove horas e quarenta minutos, não tinha bebido café, será por isso, pensei. Voltei a ler e a reler.
- Desculpe, já pode passar por favor - anunciou a senhora da recepção. Deixei o panfleto e segui para o gabinete.
Sentei-me e sem aviso, nem tempo para proteger os ouvidos, levei com um banho corporativo do incrível que esta consultora era. A iminente expansão de como iriam conquistar a Europa, depois o mundo e por fim a cidade de Atlântida. Depois claro, veio o espetacular que seria trabalhar aqui e o fenomenal que seria para a minha carreira, especialmente porque estava no início da piramide corporativa. PowerPoints azuis e amarelos, uns atrás do outros, não havia fim à vista. O tom era de uma arrogância de alguém que se considerava o maior empresário de Portugal, e que nas suas mãos conduzia a maior carroça do museu dos coches. Mas o melhor, já sabemos, vem quase sempre no fim, foi a explicação da génese do nome da empresa. O nome já era muito mau, um daqueles nomes que usa números para fazer o trocadilho, ao estilo Happy4Ever. Mas claro, pior do que o nome era saber o porquê das suas origens. Se conheces uma rapariga que se chama Michelly, pode ser gira e simpática, até pode vir a ser a tua mulher ou namorada, mas não vais querer porquê é que os pais lhe deram esse nome. Esse é sofrimento que vive dentro dela, mais ninguém precisa de passar por isso. Mas este empresário da Happy4Ever, vamos chamar-lhe assim, tinha dez diapositivos a explicar esse rasgo de brilhantismo.
Quando terminou, eu estava enfadado de aborrecimento de trinta lentos minutos de informação que ninguém deveria ser obrigado ouvir. E o tom de arrogância foi o que mais me irritou. Ele seguramente percebeu pela expressão na minha cara. Passamos então para aquilo que se deveria fazer numa entrevista, a conversa.
-Então gosta da proposta da nossa empresa? Sente que pode ser uma mais valia e que a Happy4Ever pode ser uma peça importante na sua carreira? - transbordava confiança e terminou com um sorriso.
-Antes de vir para a entrevista, já tinha lido sobre a empresa. - não era capaz de tirar a minha expressão da cara.
-Ah isso é bom, é muito bom. Quer dizer que fez o seu trabalho de casa. - e ri-se um pouco - Então está motivado pela nossa proposta de valor?
-Depois, enquanto aguardava por esta entrevista, estive na entrada e li, quase na totalidade, o vosso panfleto. - disse com alguma assertividade
-Ah sim? - ficou um pouco perdido.
-O senhor já leu esse panfleto? - lancei com assertividade.
-Mmm qual panfleto mesmo? - começava a olhar-me desconfiado.
-Aquele da entrada em azul e amarelo com letras grandes que dizem Happy4Ever ?
-Ah, sim já sei qual é - menos perdido mas mais desconfiado.
-O senhor já o leu? - repeti a pergunta.
-Sim, no seu tempo, quando foram feitos. - começava seriamente a desconfiar dos meus soft skills.
-Nas pequenas páginas desse panfleto, e no pouco, muito pouco, texto que contém, e mesmo sem terminar de o ler, encontrei quatro erros ortográficos. Quatro.
-Bom, sabe, já foram feitos à muito tempo. - a sua cara foi de desconfiado a bastante atrapalhado.
-Entendo. Bom dia. - saí da sala e fui-me embora.