Ela persegue-me
Bom dia doutor, este último mês não sei o que se passa mas tenho medo de quase tudo. Vou a supermercado e tenho medo de ser atropelado, quando levanto dinheiro penso sempre que vou ser roubado, quando espirro penso logo que é covid e quando recebo uma carta das finanças penso que me vão penhorar o apartamento. É uma angustia Doutor. Estou todos os dias a pensar no pior e o pior é que todos os dias nada de mau me acontece. Sinto que a tragédia algum dia se vai abater mas esse dia nunca chega e isso ainda me preocupa mais porque se ela vai chegar pois que chegue rápido porque andar aqui preocupado é uma tragédia ainda maior.
No outro dia partilhei a minha dor com o Roberto, o meu vizinho Roberto, e ele, o homem mais prevenido que se conhece no bairro, disse-me que perante a minha situação o melhor era fazer um seguro de vida. E foi o que fiz, mas não fiz um, fiz dois não vá o primeiro falhar. Por momentos fiquei mais tranquilo mas depois pensei, de que serve pagar um seguro que eu nunca vou utilizar? Eu não tenho filhos e a minha mulher já me deixou há 5 anos. Então cancelei um dos seguros de vida, deixei o outro não vá acontecer o que temo que aconteça.
Agora tou a pensar num seguro médico. Mas eu pressinto que a minha tragédia não vai ser de saúde Doutor, o meu mal sempre foi o coração. Eu vejo aqueles gatinhos da minha rua, vadios mas são gatinhos Doutor, e algum dia a vida não vai ser meiga com eles, ou os pombos da rotunda, todos os dias há pelo menos dois mortos. Como vê Doutor, a tragédia persegue-me e no entanto nada a mim me acontece, se isto não é injustiça só pode ser de alguém com um capricho muito doentio.
É que se é para morrer que me matem já, agora agonizar com isto todos os dias e nada fazer é que me parece de uma falta de caráter imensa.
Com o seguro a consulta do Doutor fica mais barata? Ah não dá com o seguro? Isso é que é uma pena. Até para o mês que vem.