Amor interdito
Levava meses entre a timidez e a ansiedade. Os dias passavam e eu sem saber se dar o primeiro passo. Será que deveria lançar-me? A dúvida mantinha-me a mente em alvoroço pela noite fora. Pensava em como o faria, como a abordaria, quais as palavras e qual seria a sua reacção. O medo deixava-me paralisado, a incerteza de saber o que aconteceria se a tomasse. Engane-se quem pense que este é um amor corriqueiro. Não, não. Este não é um amor fugaz de verão, ou de uma noite de soltura. Esta é uma intensa e espinhosa relação de anos que tem como refém o meu coração e deixa a minha cabeça em água. Resulta-me impossível descodificar as nuances deste amor. Mas ontem o dia chegou. Aventurei-me. Lancei-me no desconhecido pela terra onde só os bravos caminham e fui até ao supermercado, diretamente ao corredor dos molhos ali onde está o meu amor, esse lindo e brilhante frasco de maionese.
O frasco grande poderia matar-me, demasiado amor para um coração. Agarrei no frasco mais pequeno, paguei e trouxe-o para casa. No caminho o meu coração já galopava e o desejo dilatava-me as pupilas. Há meses tinha-me proibido a luxúria de ter semelhante tentação de frasco no interior da minha cozinha, hoje soltei as amarras deste amor interdito.
Fui até à cozinha, cortei uma fatia de pão, peguei na mais pequena colher de café e sem se quer tirar o casaco, abri a tampa da maionese. Aquele click é maravilhoso, foi assim que começou o nosso amor. Só de pensar os arrepios afloram-me pelas costas. Meti a pequena colher dentro do frasco e barrei no pão para depois metê-lo na boca. Que saudades tinha de ti. Porque é que esperamos tanto tempo, este é o sabor do amor de verdade. Mais duas colheradas e uma sinfonia de notas de prazer ecoava no meu interior. Amor servido às colheres para meu deleite prazer.
Mais uma pequena colher e quando olho para o frasco já estava como eu, quase vazio. Antes da tristeza abraçar-me, li os ingredientes da minha amada e fiz umas rápidas contas de cabeça: em trinta segundos deste amor intenso tinha consumido três mil e quinhentas calorias. Isso é praticamente o valor de calorias recomendado para um dia inteiro e eu já o tinha devorado em menos de um minuto. Que injustas são as calorias. Este amor durou trinta segundos e agora o que faço no resto do dia? Para não grudar-me o desgosto, resisti e deixei um pouco no fundo do frasco e guardei no frigorifico, na prateleira da porta.
Agora sempre que abro o frigorifico ela olha para mim e eu fico a olhar para ela. O desejo aperta-me o coração e entra-me uma vontade de comer só mais um bocadinho. Mas bem sei, um bocadinho não vai chegar e então faço o que faria qualquer guerreiro, resisto. Não quero voltar a perdê-la mas ela deixa-me louco. Sempre que abro o frigorifico ali está ela na porta a olhar para mim. Isto não é amor, é uma batalha. Já vi amigos perderem trabalhos por amor e outros que deitaram toda vida a perder. Tenho de resistir.
Perigosa esta senhora chamada maionese. Quanto mais abro a porta mais ela olha para mim. É uma tentação de deixar um tipo calmo como eu completamente neurótico. Às vezes abro o frigorifico de olhos fechados só para não a ver mas ela continua a olhar para mim, pois vejo-a entre os dedos da mão. Como se pode viver assim? Este fogo que arde sem se ver está a consumir-me as entranhas. O seu olhar provocador faz-me quase sempre cair em tentação. No outro dia chegou a piscar-me um olho. Um olho! Onde aprende ela essas coisas?
Mas hoje decidi fazer alguma coisa . Retirei todas as coisas do frigorifico e coloquei-as no forno. Assim a maionese fica ali sozinha e eu já não tenho mais de ir ao frigorifico. Só abro o forno, é um descanso. Com este passo sei que hoje estou mais forte. Não são os impulsos que controlam a minha vida, hoje posso ir à cozinha sem regressar culpado, sem pecado. Tens-me completamente louco e apaixonado sei que jamais te poderei esquecer, mas é melhor assim. Se somente me pudesse controlar e não comer-te toda de uma vez seria uma pessoa feliz. Mas sei que esse mundo está fora do meu alcance, a tentação é demasiado grande e os meus desejos superiores às minhas forças. Vou passar um mês ao Alentejo, longe desta casa, longe de ti, esquecer esse frigorifico, deslembrar este amor proibido que vive dentro de mim.
Só assim poderei continuar. Espero que o ar fresco do inverno me ajude a limpar as ideias e o sol ilumine o meu caminho a encontrar amores mais saudáveis.
Olá maionese vegana.