A apanha
Pelas encostas de onde vem o vinho do porto, por onde navegam os afluentes do rio Douro, a azeitona é para ser apanhada no final do ano, inícios do inverno quando o vento e o frio já espreitam. Acorda-se durante a noite, prepara-se o material, vai-se ao povo beber um café, alguns juntam-lhe bagaço outros um par de cigarros. Às 7h30 arranca-se. Descem-se encostas, mergulha-se pelos vales onde abunda apenas natureza. E assim se começa. Estendem-se as lonas, bem esticadas, dobradas em baixo, vareja-se a oliveira e os pretos bagos caem. Dobra aqui em baixo, dobra em cima, puxam-se as lonas pelas pontas, vamos para a seguinte. Estendem-se, dobra-se, tapa-se o meio, vareja-se, as lonas enchem-se, ficam pesadas, o vento sopra, as botas molham-se, os pés empapam-se. O frio encontra o seu caminho mas o esforço sempre aquece. Estica as lonas, puxa ali, dobra aqui, vareja-se, e elas caem, é o fruto do trabalho de um ano e agora deste que é a apanha. Ai que lá vai ela, olha que está a fugir, chamam-lhe a saltitona, a azeitona que procura sempre escapar. E volta a puxar, vamos juntá-la, puxa por ali, traz-se para aqui, junta toda, ergue-se a azeitona para retirar as ramas e as folhas, está boa, passa para o balseiro. Mais trinta quilogramas apanhados. Estica as lonas vamos para a seguinte, agarra-te à vara, vareja-se, vai-se com força, com vontade, só as que se apanham é que dão azeite, está boa. Dobra, estica, puxa vamos para a seguinte.
Faz-se uma pausa para a bucha, a paisagem enche-te o olho mas é a comida e o vinho que te dão forças para seguir o trabalho. Continua a apanha. Estica a lona, tapa-se no meio, vareja-se, está boa, dobra-se e vamos para a seguinte. Atiram-se piadas oferecem-se ensinamentos daqueles que fazem isto há muitos e muitos anos. As pernas queixam-se, o lombo grita, mas ficas calado quando ao teu lado tens António de 60 anos que faz o mesmo mas mais rápido e sempre com um sorriso na cara e um cigarro na boca. A apanha continua. Puxam-se as lonas, vareja-se com a máquina, ajuda-se com as varas, dobra as lonas e continua para a próxima. São muitas oliveiras e quilos de azeitonas.
Faz-se uma pausa, o melhor almoço de sempre, não apenas pelo alimento mas pelo respiro nas admiráveis paisagens com a gente mais humilde que vais conhecer, tudo o que têm oferecem, tudo o que sabem partilham. E continua. Arranca a tarde, estica, vareja, dobra e puxa e assim até ficar de noite, até às cinco da tarde. Abraça-se a dor, faz-se uma trégua com o corpo e a dor dói menos é com o desconforto que maduramos. Guarda-se o material, carregam-se os balseiros, levam-se até ao atrelado do trator, despejam-se os balseiros, este ano foi muito fraco, as chuvas de Novembro atiraram muita azeitona para o chão, mas alguma coisa é sempre mais do que nada. Arranca o trator, puxa o atrelado, leva para a cooperativa, são 360 kg, foi um dia de trabalho. É de noite, a lareira recebe-nos com o conforto quente das chamas.
É a vida no campo, é dura mas aprende-se a ganhar o valor da vida e das pessoas.